Francisco Beltrão

Artigo: Nossa Senhora dos Pretos, Rogai Por Nós, por Thiago Miranda

O povo negro vem sofrendo desde a primeira vez que aqui pisamos, afirma Thiago Miranda, petista e militante no combate ao racismo

ícone relógio10/02/2022 às 12:15:48- atualizado em  
Artigo: Nossa Senhora dos Pretos, Rogai Por Nós, por Thiago Miranda

Assistimos, com certo receio, temor e, sobretudo, com indignação as últimas ações que estão ocorrendo a nível nacional em âmbito político e social. Há pouco tivemos o assassinato de dois jovens negros: um pelo vizinho policial, que, supostamente, o confundira com um assassino; outro porque foi cobrar seus devidos horários trabalhados... por último, vemos a agressão que vem sofrendo o jovem vereador de Curitiba, Renato Freitas por, em ato de manifestação, negros terem ocupado a igreja que seus avós criaram para rezar pois não podiam participar da “igreja dos brancos”.

“Falta de vergonha”, “alucinados”, “maconheiros”, esses são os adjetivos que recebem os manifestantes. Agora, qual alcunha ganharam aqueles assassinos? Onde viu-se a indignação da direita com os fatos? Não se manifestaram por que não agregariam votos ao seu eleitorado? Em todo caso, a visão que temos que ter diante desses fatos é de conformidade com mortes, mas irreverencia com atos da juventude negra.  

Vamos, portanto, aos fatos que deveriam nortear nosso debate: 1) o grupo Núcleo periférico realmente peca ao entrar na igreja sem um prévio entendimento com o responsável local, no caso, o padre; 2) é chegado o momento de demonizar o Partido dos Trabalhadores diante da eminente vitória, talvez em primeiro turno, do ex-presidente Lula; 3) muito mais vale um local físico que aquele espiritual: o corpo humano, nesse caso desrespeitado pelas mortes dos jovens nos últimos dias. Haveria, por sinal, dito o Cristo “vim para que todos tenham paredes erguidas e belas para orar” ou “vim para que todos tenham vida, e vida em abundância”? Não nos adianta estarmos dentro de um templo religioso pedindo ao Bom Deus que acabe com a violência que extermina a população negra se não levantarmo-nos contra as barbáries cometidas. Não foi isso que fez Jesus no caso de Madalena, da Samaritana ou de inúmeros leprosos? Esperar de Deus a ação, quando estamos no mundo e podemos fazê-la é, sobretudo, encarrega-Lo da nossa função.

O que foi a consequência? Para aqueles jovens, a morte; para Renato, a possibilidade da cassação do mandato; mas e para o deputado Kim Kataguiri, que disse ter sido, em suas palavras, “errado a criminalização do partido nazista na Alemanha” e para o influencer conhecido como Monark que defendeu a existência de um partido nazista brasileiro organizado? Pesos e contrapontos são necessários nesse momento. Por óbvio a ocupação da igreja fora ato mal planejado, e isso é o máximo que pode ser dito sobre, afinal falar em ato persecutório de cunho religioso em desfavor da Igreja católica é a mesma ignorância que falar em racismo reverso. Agora, falar em um programa de largo alcance nas mídias sociais em forma de apologia nazista... ah, isso tudo bem... para a direita! Em suma: brancos falando sobre o nazismo pode, pretos entrando, comicamente, na igreja dos pretos, não pode. Isso é o que chamamos de racismo estrutural, que é, em poucas palavras, a tendência racista que permeia as ações da sociedade de forma inconsciente.

Para concluir, o povo negro vem sofrendo desde a primeira vez que aqui pisamos. Sofremos em nossa existência, pois dela nos é negado o direito e adentrar na igreja, construída por nós pretos, é pecado mortal; matar negros e fazer apologia ao nazismo é mero erro que com três pais-nossos e dez ave-marias se resolve. A igreja seguirá com o mesmo nome: Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, mas sugiro que se mude e se torne apenas “Nossa Senhora do Rosário dos Homens”.